A maioria das pessoas que possuem a visão dos dois olhos fazem tudo no automático, a vida tem aquele colorido todo especial. Mas já parou para pensar como é enxergar apenas de um olho/como é ser monocular?
Ser monocular é uma questão que traz uma preocupação constante para quem enxerga apenas de um olho. É errado se referir a pessoa que enxerga apenas de um olho como "portador" de visão monocular, pois esse termo PORTADOR traz a narrativa de que a pessoa pode a qualquer momento deixar de "carregar" aquela visão, pois na verdade, a pessoa possui a ausência da visão em um dos olhos e a presença em outro olho e JAMAIS vai ter o livre arbítrio de acordar um belo dia e ter de volta a visão que tanto lhe faz falta. Pois, quando se tem esse diagnóstico de visão monocular geralmente é algo que é permanente. A pessoa seguirá a vida assim.
PESSOA MONOCULAR SE ADAPTA É UM MITO.
Essa publicação é baseada em minha experiência de vida e vou lhe contar recortes de dados que tenho registrado como pessoa monocular.
Tenho acompanhado em alguns meios de comunicação atualmente a informação de que pessoa monocular se adapta. Dicordo disso. Sei que somos pessoas com plasticidade, que há informações que dizem que quando o bebê nasce, ele se adapta ao universo que o rodeia e com isso, se adapta. Todavia, não podemos deixar de refletir sobre a informação que o mundo muda constantemente e nosso ambiente também muda.
Acredito que a pessoa que tem a ausência de um olho ou outro membro, por exemplo, vá tentar se adaptar em algumas coisas. Entretanto, nem todas as coisas são possíveis de serem substituídas e isso traz um desgaste psicológico e físico muito grande, em muitas vezes. Um exemplo disso, no caso da pessoa monocular, é buscar desenvolver a audição para sobreviver no ambiente. Todavia, as coisas mudam. Vou contar uma história:
Geralmente, ando na rua e olho dos dois lados constantemente para saber se é seguro ou não atravessar de uma calçada para outra do lado oposto da rua. A primeira coisa que posso sentir no meu dia a dia são as dores no pescoço, pois esse exercício de sempre torcer o pescoço para observar o ambiente parece forçar a musculatura. Outro ponto que mudou hoje em dia e se torna algo importante é o som dos carros. Os carros estão silenciosos. Logo, andar na rua, mesmo na calçada é perigoso. Outro dia, não escutei, nem vi o carro saindo de uma garagem em que o carro passava pela calçada. Eu andava e de repente senti o carro encostar em minhas pernas. O motorista não sabia que eu não havia escutado nem visto seu veículo sair. Nem mesmo o motorista foi prudente em aguardar eu passar. O susto foi grande. Meu coração acelerou e naquele momento, me senti frágil e desprotegida. Acredito que muitas pessoas passem por momentos semelhantes a esse, a situações parecidas pela ausência da visão. Logo, como se adaptar a um universo que muda constantemente?! É tudo muito novo e se cuide quem puder.
Agora a pouco estava com o celular nas mãos e do nada, minha visão embaçou e não consegui focar no texto. Uso óculos, mas mesmo assim, com a visão corrigida isso ocorre e é uma rotina que exige esforço psicológico para enfrentar e fé em Deus. Pois quem é monocular sabe o pânico que é viver com a ausência da visão de um dos olhos. A gente nunca sabe quando a visão do "olho bom" vai cansar, vai falhar. A gente precisa parar o que está fazendo, aguardar a visão ir voltando e fingir naturalidade.
Tem coisas que a gente passar por cima, mas tem momentos que é impossível fazer isso.
Noto que algumas cores, quando colocadas de plano de fundo de textos a visão se torna praticamente um desafio. Algumas fontes também são determinantes para dificultar a fluidez na leitura. Queria saber se isso ocorre com mais pessoas ou é algo particular. Mas é um dado observado.
Sinto que canso mais e preciso dencansar mais pelo esforço para enxergar. Dores de cabeça são parte da rotina, dores no pescoço... Toda consulta de rotina é tensão, pois é algo que mexe na ferida emocional.
Mesmo que eu tenha nascido com a ausência da visão sofro com as dificuldades do dia a dia. Sempre esbarro nas coisas, piso em alguém ou me encosto sem desejar que isso ocorra. Muitas situações se tornam embaraçosas, pois muitas pessoas não entendem. Como é uma questão não visível aos olhos de quem observa, a situação fica ainda mais tensa, pois vivendo uma situação embaraçosa, nem sempre a gente arranca forças para respirar fundo, pedir desculpas e recebe atenção para explicar ou tem forças para explicar o que ocorreu. Isso porque as coisas ocorrem tão rápido que algumas pessoas apenas escolhem gritar e jogar todas suas frustrações de vida em segundos sobre a gente em muitos casos. A única coisa que resta é respirar e guardar o que se sente e ir embora após pedir desculpas. Isso faz parte do nosso dia a dia e é tão "comum" que nem a gente pensa sobre isso. Apenas segue a vida. Não contamos em consultas, nem em em perícias, pois o costume de "apanhar da vida" já virou rotina. E o "não" já é natural para a dor que nos cerca.
Eu amava ler. Mas com o tempo, a idade foi chegando e a visão cada vez mais, foi sentindo. Comprei aqueles aparelhos de leitura, o famoso "Kindle", pois ouvi falar que dava para aumentar as letras e a visão não cansava. Na prática, as letras até aumentam, mas sinto falta de uma tela maior, sinto falta de cores e fontes variadas e de um programa que permita aumentar e diminuir com o movimento de pinça a tela de modo que ela não desconfigure as imagens e a posição do texto. Queria escrever observações e não consegui me adaptar a velocidade do aparelho. Enfim, em suma, não consegui me adaptar nem ler. Me senti mal por isso. Mas isso é algo subjetivo.
Mais uma vez, conto experiências particulares. Sei que cada caso é um caso. No meu caso, nasci monocular, não me adaptei a tudo e tenho minhas dificuldades. Pode ter quem se adapte? Acredito que possa haver. Mas cada um sabe de sí.
Sabe outro fato que pesa muito? É querer usar óculos de sol e não poder usar porque precisa de lente de grau e nem todos os modelos aceitam grau. Hoje em dia existem aqueles modelos de "Óculos Clip on". Porém, não fazem ainda, parte da minha realidade financeira. Lógico que gostaria muito de ter um, mas no momento, ainda não é possível. Uso um boné e saio com meu óculos comum.
Recentemente, descobri uma dificuldade que não sabia que eu tinha: queria mostrar um ponto de vista e apontei o dedo para o local. A pessoa descrevia outro ponto. Eu mostrava novamente e a pessoa, novamente descrevia outro ângulo. A crise se instalou em meus pensamentos. Tive que pegar o celular, ver no celular e apontar com o dedo pela tela do celular. Saiu desfocado. Desisti. Acabei descrevendo o que eu queria falar.
Esses são recortes de coisas que ocorrem. E não, a gente nem sempre se adapta, pois o mundo não para, ele muda a todo instante. Como prova disso, olhe para lugares da sua infãncia, para a cidade em que cresceu e compara. Muitas coisas mudaram.
Esse assunto abre janelas para discussões, opiniões, experiências e muito mais, pois todas as pessoas tem suas experiências, limitações e pontos de vista. Mas reforço que são dados vividos e recortes de vida.
Ser monocular não é fácil. Pois a gente não tem um botão de "agora não quero mais ser" para ativar quando quer, como a palavra "portador" parece transmitir.
Até breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
- Os comentários são de responsabilidade de seus autores.
- Não envie links ou spam nos comentários.
- Seu comentário é muito importante para o andamento desse Blog.
- Deixe marcado a opção "notifique-me" para receber aviso de minha resposta ao seu comentário.
- Volte sempre.
- Compartilhar ajuda muito nosso crescimento. Gratidão.